Comprar um imóvel na planta é o sonho de muitas pessoas, mas nem sempre tudo acontece como planejado. Imprevistos podem surgir, e o comprador pode se ver na necessidade de desistir da compra. Nesses casos, entra em cena o distrato imobiliário, que é o procedimento de rescisão do contrato de compra e venda. Para garantir que essa rescisão ocorra de maneira justa, a legislação brasileira dispõe de regras claras para ambas as partes envolvidas no negócio.
Neste artigo, vamos explorar tudo o que você precisa saber sobre o distrato imobiliário, incluindo como funciona, quais são os direitos e deveres das partes.
O que você vai ler
ToggleComo desistir da compra do imóvel na planta com o contrato assinado?
A desistência da compra de um imóvel na planta após a assinatura do contrato deve ser formalizada por meio de um pedido de distrato. Esse pedido deve ser feito diretamente à construtora, preferencialmente por escrito, e deve seguir os procedimentos estipulados em contrato.
Para que o distrato seja formalizado, é importante que o comprador esteja ciente das cláusulas contratuais que tratam sobre rescisão e multas aplicáveis, além de ter os documentos indispensáveis para uma análise por profissional especialista na área, como:
- Contrato de compra e venda;
- Demonstrativo atualizado de pagamento das parcelas;
- E-mails ou mensagens trocadas com a construtora.
Caso o comprador decida seguir com o pedido de distrato e a construtora não aceite os termos ou imponha condições abusivas, a via judicial pode ser necessária para assegurar os direitos do consumidor.
Como funciona o distrato com a construtora?
O distrato é formalizado por meio de um aditivo contratual que define os termos da rescisão, incluindo o valor da multa e o prazo para devolução dos valores. Esse documento deve ser assinado por ambas as partes para ter validade.
É importante destacar que, embora o distrato possa ser resolvido de maneira amigável, evitando custos adicionais com processos judiciais, nem sempre o consumidor conseguirá fazer valer seus direitos e poderá ficar refém de multas abusivas e previsões ilícitas. Por isso, é importante entender quais são as balizas legais que indicam a forma correta de se fazer um distrato.
O que diz a Lei do Distrato?
A Lei do Distrato foi sancionada em 2018 e trouxe importantes modificações para regulamentar o distrato imobiliário. Um dos principais pontos da lei é a definição dos percentuais de multa que podem ser aplicados pela construtora em caso de desistência do comprador.
Outro ponto relevante trazido pela Lei do Distrato é a previsão de multas em caso de atraso na entrega das chaves. Se a obra atrasar mais de 180 dias em relação ao prazo estipulado no contrato, o comprador tem o direito de rescindir o contrato sem qualquer penalidade ou optar por continuar no negócio e exigir indenização por danos.
Como funciona para contratos assinados antes da Lei do Distrato?
Para contratos assinados antes da entrada em vigor da Lei nº 13.786/2018, as regras aplicáveis são diferentes. Nesses casos, não há uma previsão legal específica sobre os percentuais de multa ou prazos para devolução de valores e as condições de distrato são definidas pelo contrato firmado entre as partes e pelos princípios gerais do direito, incluindo os do Código de Defesa do Consumidor.
Isso significa que a justiça analisa cada caso de maneira individualizada, levando em consideração fatores como boa-fé, abusividade das cláusulas e desequilíbrio contratual.
O que é distrato por culpa da construtora?
O distrato por culpa da construtora ocorre quando a rescisão do contrato é motivada por falhas ou descumprimentos contratuais por parte da incorporadora. O exemplo mais comum é o atraso na entrega do imóvel. Quando o atraso ultrapassa o prazo de tolerância de 180 dias previsto no contrato, o comprador tem o direito de solicitar o distrato sem a aplicação de multas.
Em casos de distrato por culpa da construtora, o comprador tem direito à devolução integral dos valores pagos, corrigidos monetariamente, e pode pleitear indenização por danos morais e materiais. Isso inclui despesas com aluguel e outros gastos que tenham ocorrido em razão do descumprimento do contrato.
Outro ponto que caracteriza a culpa da construtora é a entrega de um imóvel com vícios construtivos graves, que impeçam o uso adequado da unidade. Nesses casos, o comprador também pode solicitar a rescisão contratual com a devolução integral dos valores.
Quais são as diferenças entre o distrato por desistência do comprador e por culpa da construtora?
As principais diferenças entre os dois tipos de distrato estão relacionadas aos motivos que levam à rescisão contratual e às consequências financeiras para as partes envolvidas.
No distrato por desistência do comprador, a iniciativa de rescindir o contrato parte do consumidor. Nesse caso, a construtora pode reter parte dos valores pagos a título de multa compensatória, conforme os limites estabelecidos pela Nova Lei do Distrato.
Já no distrato por culpa da construtora, a rescisão ocorre em razão de falhas ou descumprimento do contrato pela incorporadora. Nesse caso, o comprador tem direito à devolução integral dos valores pagos, sem qualquer penalidade.
Outra diferença importante está relacionada à possibilidade de indenização. Enquanto no distrato por desistência do comprador não há previsão de indenização, no distrato por culpa da construtora, o comprador pode exigir a reparação de danos.
Qual o valor da multa de um distrato?
A multa aplicada no distrato imobiliário varia conforme o regime do empreendimento e as condições estipuladas no contrato.
Para contratos assinados após a Lei do Distrato, aplica-se:
- Em empreendimentos sob patrimônio de afetação, a multa pode ser de até 50% dos valores pagos pelo comprador.
- Nos demais casos, a multa pode ser de até 25% dos valores pagos.
Mas nem sempre a multa aplicada em um distrato imobiliário será aquela prevista pela Lei do Distrato.
Em diversas situações específicas, os percentuais de retenção previstos na legislação podem ser considerados inadequados ou desproporcionais, o que justifica a revisão judicial das penalidades contratuais.
Vamos analisar os alguns casos em que a aplicação automática das multas da Lei não é recomendada.
Contratos assinados antes da Lei do Distrato
Para contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 13.786/2018, as cláusulas contratuais que previam multas e condições de distrato prevalecem, desde que estejam de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse contexto, a aplicação retroativa da Lei é vedada, pois implicaria violação ao princípio da segurança jurídica.
Por isso, os tribunais analisam caso a caso, observando se a multa contratual é abusiva. Geralmente é aplicada a retenção entre 10% e 25% dos valores pagos, o que pode ser mais benéfico para o consumidor do que o que foi descrito originalmente no contrato.
Culpa concorrente: quando há falhas da construtora que levam à desistência do comprador
Nem sempre a desistência do comprador ocorre sem motivos. Existem situações em que a construtora comete falhas que, embora não sejam graves o suficiente para justificar a resolução do contrato por culpa exclusiva da incorporadora, contribuem para o descontentamento e a decisão de rescindir o contrato.
Por exemplo, imagine que a construtora atrase a obtenção do financiamento bancário, atrapalhe a vistoria ou não entregue documentos essenciais no prazo previsto. Embora essas falhas não configurem diretamente um atraso de obra de 180 dias, elas impactam negativamente a experiência do consumidor e podem justificar a atenuação das multas aplicadas no distrato.
Nesses casos, a culpa concorrente deve ser reconhecida. O juiz pode considerar a conduta da construtora na análise do caso concreto e determinar uma multa inferior à prevista no contrato ou na Nova Lei. É uma aplicação do princípio da proporcionalidade, evitando que o consumidor seja penalizado de forma desproporcional.
Causa superveniente que inviabiliza a entrega do imóvel no prazo ajustado
Outro cenário que pode levar à revisão das penalidades ocorre quando surge uma causa para rescisão após a assinatura do contrato, indicando que a entrega do imóvel será inviabilizada dentro do prazo ou da forma como havia sido acordado.
Nesses casos, embora o prazo de tolerância de 180 dias ainda não tenha sido alcançado e nem existam vícios, fica claro que a obra não será concluída a tempo de forma satisfatória, devido a fatores como:
- Embargos administrativos ou judiciais que paralisam a obra;
- Problemas com a documentação do terreno ou incorporação imobiliária;
- Descumprimento de obrigações contratuais essenciais pela construtora.
Imagine, por exemplo, que a obra é embargada pelo município por questões ambientais, e o embargo não é solucionado em tempo hábil para evitar o atraso na entrega. Embora o prazo contratual ainda não tenha expirado, há um evidente risco de atraso, o que pode levar o consumidor a buscar a rescisão do contrato de forma antecipada, antes de ser prejudicado pelo descumprimento.
Nessas hipóteses, o consumidor pode argumentar que o distrato não deve ser tratado como uma desistência simples, mas sim como uma medida preventiva para evitar prejuízos maiores. Consequentemente, as multas aplicadas devem ser menores ou até mesmo inexistentes, dependendo da gravidade da situação.
Cada caso deve ser analisado individualmente, levando em consideração os princípios da proporcionalidade, da boa-fé e do equilíbrio contratual. Em última instância, é o Poder Judiciário que avaliará se a multa aplicada é justa e se respeita os direitos do consumidor. Por isso, contar com o suporte de um advogado especializado em direito imobiliário é fundamental para garantir que os direitos do comprador sejam protegidos em um distrato.
Quanto tempo a construtora tem para pagar o distrato?
O prazo para rescindir um contrato pode variar conforme as cláusulas contratuais. No entanto, uma vez formalizado o distrato, a construtora tem o prazo legal de 30 dias para devolver os valores pagos pelo comprador ou 180 dias, especificamente nos empreendimentos sob patrimônio de afetação, conforme estabelecido pela Lei do Distrato.
Contudo, atenção: caso o contrato ou o instrumento de distrato tenham previsto prazo inferior, valerá o que foi descrito pelos documentos assinados!
Se esse prazo não for cumprido, o comprador pode buscar a via judicial para garantir seus direitos.
Como saber se a ação judicial é necessária?
Há muitos casos em que as partes entram em um acordo diretamente, aceitando a revisão de cláusulas contratuais que possibilitam que haja equilíbrio na relação.
Contudo, a ação de resolução de contrato se torna indispensável quando a empresa exige penalidades abusivas, pois é ela que permite a revisão de cláusulas abusivas e a aplicação dos direitos do consumidor.
Penalidades abusivas: como reconhecer e combater?
A aplicação de penalidades abusivas em distratos imobiliários é uma prática que ainda ocorre no mercado, apesar da proteção oferecida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pela jurisprudência dos tribunais. Muitas construtoras tentam impor condições desproporcionais ao consumidor, aproveitando-se da vulnerabilidade do comprador. No entanto, essas práticas podem ser contestadas judicialmente.
Retenção integral ou excessiva dos valores pagos
Um dos exemplos mais recorrentes de penalidade abusiva é a tentativa de reter 100% dos valores pagos pelo comprador em caso de desistência. Essa prática vai contra os princípios do CDC, que preveem que a retenção deve ser proporcional ao prejuízo efetivamente sofrido pela construtora.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que a retenção de valores não pode ultrapassar 25% a 50% do montante pago, dependendo das circunstâncias do caso. Multas superiores a esse patamar são consideradas abusivas e podem ser revisadas judicialmente.
Cobrança indevida de taxa de corretagem
Outro problema recorrente é a tentativa das construtoras de impor ao comprador taxas relacionadas à comercialização do imóvel, como taxas de corretagem e taxas de publicidade e marketing. Essas cobranças são consideradas indevidas quando não estão claramente especificadas no contrato ou quando são repassadas de forma unilateral ao consumidor.
O STJ também já definiu que a cobrança de corretagem pode ser válida, desde que o consumidor seja informado previamente e de forma clara sobre essa obrigação. No entanto, a falta de transparência ou a cobrança automática dessas taxas pode ser considerada abusiva.
Cláusulas de renúncia de direitos
Algumas construtoras incluem cláusulas que preveem multas extremamente altas ou que impõem ao comprador a renúncia de direitos básicos do consumidor, como o direito de receber a devolução em prazo razoável ou o direito de rescisão sem penalidade em caso de atraso da obra.
Essas cláusulas são consideradas nulas de pleno direito, pois violam o princípio da boa-fé e o equilíbrio contratual, previstos no CDC.

Assinei o distrato sem saber que a penalidade era abusiva: posso reclamar judicialmente?
Quase todos os termos de distrato imobiliário trazem cláusulas que afirmam que, ao assinar o termo de rescisão, o comprador estaria renunciando ao direito de questionar judicialmente os termos do acordo.
Essas cláusulas, no entanto, são consideradas nulas pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois violam o princípio do acesso à Justiça, garantido pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC, em seu artigo 51, estabelece que cláusulas contratuais que imponham desvantagem exagerada ao consumidor ou limitem o seu direito de acesso ao Judiciário são abusivas e, portanto, nulas de pleno direito. Isso significa que, mesmo que o comprador tenha assinado um distrato contendo essa cláusula, ele pode buscar a revisão dos termos judicialmente.
Ou seja, mesmo que um distrato contenha cláusulas que busquem impedir o consumidor de buscar seus direitos na Justiça, essas cláusulas não têm validade jurídica. O consumidor pode, sim, contestar judicialmente os valores retidos, multas aplicadas e condições abusivas estabelecidas no distrato.
Qual o prazo para contestar judicialmente um distrato assinado?
O comprador tem o prazo de 10 anos para ingressar com uma ação judicial visando contestar os termos de um distrato imobiliário. Esse prazo é estabelecido pelo artigo 205 do Código Civil, que prevê a prescrição de 10 anos para ações relativas a responsabilidades contratuais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou esse entendimento em diversas decisões, afirmando que o prazo de 10 anos se aplica às controvérsias contratuais, incluindo disputas relacionadas ao distrato imobiliário.
Conclusão
Assinar um distrato imobiliário sem a devida análise jurídica pode resultar em grandes perdas financeiras para o consumidor. Consultar um advogado especialista é indispensável para garantir que os direitos do comprador sejam respeitados, seja antes da assinatura, para negociar melhores condições, ou após a assinatura, para verificar se há chances de contestar cláusulas abusivas.
Ao buscar orientação jurídica, o comprador assegura que o distrato será justo, proporcional e conforme a legislação vigente, evitando problemas futuros e garantindo a proteção de seu patrimônio.